Adolescentes, estudantes de uma escola
organizaram uma brincadeira chamada “cadeia do amor”. A brincadeira da cadeia,
popularmente conhecida nas festas juninas, na qual o divertimento é prender os
colegas numa cadeia improvisada. O correio elegante, a maça do amor, a pescaria
são mais alguns símbolos da festa.
No entanto, a criatividade dos adolescentes
produziu outra versão da brincadeira. E brincar, já dizia Freud, é a possibilidade
de colocar em prática, sem censuras, nossos desejos. Natural para adolescentes
num momento de descoberta e reconhecimento da sexualidade, da relação com o
outro e com seu próprio corpo.
Na nova versão da brincadeira prendiam-se
duas pessoas. Para sair se beijariam ou pagariam uma fiança. A princípio uma forma
de não se comprometerem totalmente com as consequências do desejo, visto que a
dinâmica do jogo se dava pelo pagamento da ficha que alguém faria para prender as
pessoas.
Na escola, a brincadeira guardava muitas
reticências e contrariedades de professores e direção. Conta-se que tempos
atrás alguns adolescentes teriam passado dos limites. A tal história se
constitui como um paradigma moral e torna-se mais simples usá-la para dizer não
aos estudantes.
Com regras e normas os
adolescentes conseguiram realizar uma experiência de duas horas da brincadeira
na festa junina. Mas com o objetivo de que a cadeia do amor virasse algo mais
próximo de uma cadeia, típica brincadeira das festas juninas.
No dia da realização da “cadeia do amor” o que ocorreu revelou mais do que simplesmente o
desejo de descoberta da sexualidade por parte dos jovens. Ou melhor, desnudou
uma forma de sexualidade, uma forma de amar.
Os adolescentes fizeram uma cabana na qual
havia frestas para olharem. Muitos eram carregados contra a vontade, meninas e
meninos ficavam constrangidos na cadeia, e estes eram vigiados pelos demais
numa cena que lembrava um pequeno espetáculo.
Alguns beijos ocorreram, mas a grande
questão não era o beijo em si, mas o ritual que cercava o ato e expressava
uma forma de relacionar-se. A cadeia do amor não era mera contradição, “cadeia”
e “amor”, mas uma condição. Condição que dizia sobre a vida deles, sobre a
cultura do bairro e da própria instituição escolar.
Uma experiência e tanto para pensar a
sexualidade na escola, de um ponto de vista ético. Mas a escola, como
instituição, pela sua dinâmica, esmaga a subjetividade dos que nela trabalham e
estudam. A jornada e as condições de trabalho combinada a formação bacharelesca
torna o espaço escolar pouco suscetível ao tempo das reflexões.
O
esmagamento do espaço escolar se expressa pela circularidade de uma moralidade que norteia suas ações.
A moral é uma forma de realizar as coisas, fixa, nada reflexiva e presa a uma
tradição. “As coisas são assim porque é o correto!”
A excessiva saída moral da escola revela
que esta abriga em sua essência o conflito. E é no conflito que se encontra a
potencialidade para a reflexão. Neste jogo entre a moral e o conflito que surge
o mal-estar, a incerteza do desejo do outro e da própria abertura para as
possibilidades de pensar.
Na brincadeira dos adolescentes havia
uma forma de amar encadeada, presa à cadeia. Como poderíamos pensar “cadeia” e “amor”,
que encadeamento amoroso era este? Seria preciso expandir, ampliar a visão
daquele ato.
Em outros momentos, em conversa com os pais, escutava que gostavam da escola porque esta se preocupava com os
alunos. Indagava sempre o que era se preocupar? E eles associavam a vigiar. Vigiar
tornara-se uma forma de amar, de cuidar. “Eu não deixo meu filho ir à casa do
colega, porque eu não confio que ele vai estudar”, escutei mais de uma vez dos
pais. Nesta frase há um contraditório amor, como na brincadeira da cadeia do
amor.
A dificuldade dos alunos de fazerem
trabalhos em grupos fora da escola era resultado do medo dos pais de deixarem
as crianças irem à casa dos colegas. Por um lado o medo de abusos sexuais na
casa de estranhos, mas também a não confiança que de fato iriam fazer
trabalhos. A escola, segundo os pais, deveria criar formas para os filhos se
organizarem em grupo fora do horário convencional, vigiados. Uma demanda justa,
mas uma demanda de mais cadeia e amor.
A maneira como os adolescentes organizaram sua forma de amar deu-se através do abuso, abuso do desejo do outro. Carregar,
constranger, vigiar tornou-se por fim a forma que encontraram de amar.
Certa rigidez moral diz o que é da ordem
da escola e o que não é como se isto fosse inteiramente possível. O discurso é de
que a escola não pode ir “para além do pedagógico”. Esta é uma visão, uma
perspectiva do pedagógico que norteia muitas escolas particulares e públicas. “Nos
preocupamos com as boas e más notas”, é o discurso que garante o lugar do
mestre, do gozo daquele que sabe.
A cadeia do amor indica a necessidade de
pensar novas maneiras de amar, e elas passam por uma forma de cuidar, um cuidado
de si. A cadeia do amor não deixa de evidenciar como o amor se realiza, mas também como nos escapa. Não diz somente
sobre a escola, mas sobre o emaranhado que se estabelece na cultura, na escola
e na família. Na aposta que fazemos na autonomia dos adolescentes, no
mal-estar que isto produz nos adultos no exercício pedagógico de se tornarem “descartáveis”.
Parece que a escola encontra-se neste
local de socialização intermediária da casa e de um determinado mundo fora da
casa, no “entre”. É neste “entre”, de divisão, abertura, fragmentação, e também
de entrada, que se dá a impossibilidade do controle moral absoluto. E tanto mais moralidade,
mais manifestações do não-dito, dos sintomas.
E
é deste lugar intermediário, do “entre”, que se vê a potência de um lugar
ético, o qual permita ao adolescente se reconhecer e se responsabilizar nas
suas escolhas e incertezas. Uma nova forma de cuidar de si e amar.
Marcelo Tomassini, 26 de Agosto de 2017.
Marcelo Tomassini, 26 de Agosto de 2017.