domingo, 3 de fevereiro de 2019

SEXO


Alberto era viciado em pornografia. Em sua análise dizia que não tinha uma vida sexualmente satisfatória com sua esposa. Preferia se masturbar vendo filmes pornôs. Certa vez seu analista disse-lhe: Alberto, você sabe que os atores pornôs usam Viagra para gravar, certo? Alberto ficou longos segundos em silêncio e mostrando surpresa comentou: sério? A sessão acabara ali.

O Deus da fertilidade na Grécia Antiga chamava-se Príapo. Em uma versão do mito, Príapo é filho de Dionísio e Afrodite. Hera enciumada por esta relação faz com que ele nascesse com uma deformidade, um enorme pênis que estava sempre em ereção.

Príapo foi considerado uma aberração e fora abandonado por Afrodite. Achado e criado por alguns pastores passou a ser cultuado como símbolo da virilidade e da fertilidade.

Guardava dos olhares invejosos as plantações e ameaçava com sodomia os malfeitores. Príapo estava sempre com o pênis ereto.

No discurso médico "priapismo" é uma doença na qual o pênis permanece muitas horas em ereção. A característica principal do priapismo é que a ereção deixa de ser motivada por estímulo ou excitação sexual.  

Há uma ética e uma moral para o sexo. A ética nos convida a criar uma hierarquia, enquanto a moral dita o que é certo ou errado no fazer dessa hierarquia.

Vivemos uma temporalidade confusa, em que os valores se ajustam com dificuldade numa realidade que molda em fragmentos. Falamos muito em igualdade e equanimidade na mesma proporção inversa em que camuflamos essas hierarquias sob o peso de um duplo sofrimento: sofrimento para aproximar os discursos do amor das práticas de isolamento e utilidade.

Não é à toa o pânico e a depressão tornarem-se duas faces do mal-estar da atualidade, manifestações de sintomas que revelam que o corpo (des)afetado resiste a jogar o jogo da plenitude, do estar sob os olhares invejosos da ereção de Príapo.  

Não é incomum no pânico as pessoas estarem aparentemente bem e ativas e de repente desmoronarem. Por outro lado, apesar do deprimido incomodar a plenitude social, sabe-se que a depressão também traz seus benefícios: o de apontar corporalmente que este jogo sem imaginação não dá mais para jogar. 

Enquanto se discute qual o melhor lugar para se transmitir a educação sexual, o acesso às redes virtuais oferece toda sorte de opções. Desde muito cedo o indivíduo encontra os modos que irão edificar sua construção sexual.

A internet oferece toda uma civilização para a sexualidade, desde posição até coletividade. Os papeis reservados para essa edificação, contudo, denunciam quase sempre a velha ética, a nova moral.

Na velha ética, a mulher está submetida aos desejos perversos, enquanto na nova moral deve ansiar pela isonomia. Mas é o corpo feminino a bandeira dessa forma poderosa de apreensão e distribuição do desejo.

O acesso a essa hiper sexualização do feminino estimula primeiro o prazer solitário de um modo que não dá pra medir. Mas também cumpre a uma pedagogia do prazer.

Respondendo ao tempo e ao contexto, o desempenho se tornou a questão fundamental do isolamento, pois o desempenho é o que diz de cada um de nós num mundo de afetos, de afetações.

O aumento da venda de Viagra entre jovens de 16 a 24 anos expressa bem essa busca pelo desempenho. O que importa é se exibir para o parceiro ou parceira. O resto é notícia.


Representação de Príapo, Deus da Fertilidade na Grécia Antiga. 

Os vazamentos dos vídeos íntimos na internet são resultado da indústria cultural da pornografia. Numa indústria que está crescentemente em crise para acelerar a queima do valor de uso das coisas, nenhuma imagem pode durar muito. E a busca por uma autenticidade da imagem se transforma pelo avesso na própria lógica padronizada.

Nos tempos de Freud, no início do século passado, a origem das neuroses estava na repressão sexual no contexto da era vitoriana. Os sintomas neuróticos seriam uma satisfação substitutiva da pulsão sexual recalcada.

 Parece que o alcance da repressão sexual atingiu sua mais complexa transformação, na qual o ato é estimulado pela massificação e não pela valorização da singularidade. O superego dos tempos atuais não é liberal, mas justamente o contrário, também é repressor num gozar compulsivo.   
 
Neste sentido nem mesmo é o prazer que se busca. Em todos os casos, a juventude quer aproximar sua persona virtual da relação concreta do encontro.

A pornografia desempenha um papel fundamental nesse processo. Justamente por ser aberta às inúmeras possibilidades de estímulo erótico, a pornografia livremente ofertada nas mídias promove uma ligação imediata entre o usuário e o padrão oferecido.

O sexo conquistado a partir desse uso contínuo vai moldando seu usuário num momento extraordinário cuja potência é sempre crescente. Uma enxurrada de imagens, propostas e convenções que molda a libido num formato padronizado.

Não precisa de criatividade essa forma de desejo mercantil. A oferta e a compra se equivalem. O que os olhos vêem e o tipo de gozo que se conquista são, em tempo, expressões de cansaços.

E essa exaustão, contudo, deve ainda fomentar o desempenho. Daí a necessidade de estimulantes químicos no processo.

Exilando a criatividade, o sexo é parte de um protocolo uniformizador. A glândula pineal é desnecessária. Não é a toa que o zumbi é parte integrante da cultura pop. Um indivíduo e um aparelho de emissões virtuais fechando o circuito vital.

As mulheres, algumas, buscam nos confrontos feministas uma saída a esse universo de objetivação. Esperam encontrar nas demandas públicas por justiça e igualdade o lugar de sua emancipação e reconhecimento.

Como não há lugar onde procurar saídas mais ousadas, nem alguém que nos aponte o caminho, o circuito permanece fechado, com uroborus, uma cobra que devora o próprio rabo. E as fronteiras do inferno que se expandem, sem nenhuma reserva.

O gozo é um estado único nessa história toda. Talvez por isso as estratégias sociais procurem sempre leucemizar sua potência. O gozo exige autoconhecimento para encontrar seus caminhos. Mas sempre muito precocemente se castram suas possibilidades.

Com diversas estratégias, a masturbação é inibida desde cedo. Nas meninas, pois meninas não devem se masturbar; nos meninos, pois meninos que se masturbam o fazem pela incapacidade de encontrar um ou uma parceira. E mesmo para aqueles que rompem essa zona de restrições, as ofertas estimulantes estão nas pornografias das redes virtuais.

Estimulados pela pornografia, vão abdicando da imaginação e vão degenerando as potencialidades de autoconhecimento que o gozo carece. Uma vez mais, o círculo vicioso anula a emancipação pelo orgasmo.

 O orgasmo libera uma energia que é primordial para nossa saúde e benefícios. É uma necessidade biológica e como tal deveria ser emanada todos os dias, de modo similar às nossas necessidades fisiológicas, alimentares, etc.

Ao amputar dessa função de nosso cotidiano, seja pela religião, pela família, pela escola ou pelo diversos constrangimentos sociais que nos privam, crescemos aptos a diversos sofrimentos e patologias. Mas também crescemos aptos à obediência, à aceitação dos protocolos, às armadilhas do egoísmo e do isolamento, pois a energia emanada pelo orgasmo expande de tal sorte nossas conexões que mesmo sem refletirmos sobre isso, nos unimos aos outros numa concha energética que se amplia sempre.

Mas, mais importante que isso, passamos a conhecer nosso corpo e as formas de prazer que ele manifesta.

Não podemos sequer inferir a quantidade de mulheres sexualmente ativas que nunca tiveram orgasmo numa sociedade tradicionalmente paternalista, em que o homem, desde muito cedo, nutre um medo mítico do gozo feminino.

De outro lado, os meninos que devem cumprir também seus protocolos para esse mundo paternalista, agregam em si o medo da falha e da falta, do fracasso diante da mulher. Essas velhas ordens estão brutalmente vitalizadas na intimidade do sexo ainda hoje.

De tal sorte que no mundo do desempenho, cada um deve expressar a fantasia da realização sexual da melhor forma que puder, ainda que seja sentado sobre uma farsa. Isolados em suas privações, edificam um mundo inteiro distante das possibilidades do amor.

O amor é parte de outra ilusão. Uma palavra gasta e vulgar que não expressa nada além dos insidiosos pronomes de sua materialização: meu amor, essa possessividade infernal da ética da dominação.

Incapazes de lidar com a felicidade do outro, pois que também não conseguem atingir a sua própria, cada um emite os sinais enviesados que o termo fechado inscrito na palavra amor sugere.

Servir ao outro seria o caminho a se perseguir, mas pra isso seria importante amar a si mesmo, sentir em seu próprio corpo a importância exorbitante do gozo como generosidade e acolhimento.

Isso aconteceria se a masturbação fosse vinculada integralmente sobre a imaginação e nunca sobre a pornografia. A imaginação é um lugar tão poderoso que Einstein dizia que esse é o verdadeiro sinal da inteligência.

Imaginar é erigir mundos fantásticos. E, no entanto, somos convencidos de que a imaginação é desnecessária ou perigosa. Soterrados por compromissos de informação e conhecimento, não encontramos lugar ou tempo para imaginar. E sem imaginação não podemos criar um lugar em que a existência possa ser solidária e colaborativa, as opções contra o mundo hierárquico que nos é oferecido todos os dias, o tempo inteiro.

A imaginação como estimulador da masturbação é um poderoso movimento para enfrentar os limites da moralidade.

As meninas que assim se movimentassem, desde cedo, conheceriam o próprio gozo e saberiam não estabelecer aliança com um mundo paternalista que desde muito cedo conforma seu lugar social. Aqui teríamos a tão sonhada igualdade de gênero, no gozo.

Não nos iludamos. O sexo é ponto sobre o qual se assenta todas as possibilidades de relações. As relações de poder são aí fundamentadas. Privatizar o sexo, enclausurar seus movimentos e suas expressividades gera um universo de privações. Castrar as possibilidades do prazer é garantir que as desigualdades prosseguirão.

Freud, com toda a sua ambivalência, dizia que “ninguém que tenha visto um bebê se afundar de volta saciado do peito e adormecer com as bochechas coradas e um sorriso feliz pode escapar da reflexão que esse quadro persiste como um protótipo da expressão da satisfação sexual mais tarde na vida.”.


Eduardo Antonio Bonzato e Marcelo Tomassini  



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